quinta-feira, 14 de abril de 2011

A Psicanálise e o Código Penal

Grupo Bombando - www.bombando.com.br

No post anterior que versava sobre livre arbítrio, nada falei sobre a vida na civilização. A conclusão que cheguei foi que o livre arbítrio é apenas ilusório, ou seja, todos somos livres para fazermos o que bem queremos, desde que o que fizermos, além de superar as barreiras impostas por nosso inconsciente, esteja permitido nas normas da civilização. De outra forma, se todos arbitrassem livremente suas vontades, a vida nas grandes cidades seria intolerável e tudo se transformaria num imenso caos. E em assim estando, é facilmente previsível que em pouco tempo iria faltar mantimentos ou outros produtos básicos e nesta hora, movido pelo princípio da realidade ou necessidade de sobrevivência, qualquer ser humano faria coisas que em condições normais jamais pensaria ser capaz de fazer.

Percebemos então que nossas atitudes podem ser condenáveis ou não, dependendo apenas da ocasião em que nós a tomamos: durante uma guerra podemos matar outro ser humano enquanto que no dia seguinte ao fim desta mesma guerra, o ato de matar seria uma atitude condenável. Em tempos de paz, apesar de não aparentar, nosso comportamento é influenciado por diversos fatores sem que notemos essa influência. Como exemplo, podemos dizer que muitas pessoas comem uma asa de frango com a mão em determinado restaurante e num outro, mais requintado, esforça-se para degustar da mesma iguaria com garfo e faca.

Comer uma asa de frango de uma ou outra maneira representa um gesto totalmente inocente, onde as conseqüências deste ato se restringem apenas àquele que comeu ou que tanto se esforçou para parecer aquilo que não é. Porém nem todas as mudanças de comportamento parecem ser tão inofensivas quanto esta de deglutir o pobre de um frango.

Nos casos citados acima, o superego do sujeito trabalha de formas distintas. Numa guerra em que se visa primordialmente a sobrevivência, o fato de matar alguém não é, propriamente, um ato condenável, mesmo que o matador tenha crescido em um ambiente religioso e escutado por toda vida que matar é pecado. Já no restaurante, apesar de plena convicção da inconveniência em se comer determinados alimentos com garfo e faca, na tentativa de aparentar pertencer a aquele ambiente, o superego é anulado totalmente para que o sujeito incorpore o superego comum do grupo frequentador daquele local refinado. Concluímos então que as pessoas, mesmo nós, podem alterar seus padrões de comportamento de acordo com o momento histórico ou ambiente a fim de se sentir enquadrada.

Se isso acontece com os adultos que possuem uma formação psíquica mais sólida, o que não dizer do jovem. O jovem adolescente, de qualquer etnia ou classe social, faz coisas em grupo que jamais faria quando sozinho. Em grupo ele é capaz de queimar um índio, espancar homossexuais ou prostitutas, destruir o patrimônio público, envolver-se nas mais ferozes brigas e até mesmo praticar o bullying. Quando fora do grupo transforma-se em um ser absolutamente normal, queridinho por todos da família, incapaz de fazer mal e muito menos capaz de cometer atrocidades. 

Podem até haver outros motivadores que induzem um pacato ou inocente indivíduo a cometer um crime, mas nada fica tão patente quanto a influência do grupo. O mais irônico é que nesses casos, além da condenação pelo crime em si, quando em grupo, o réu costuma ser condenado por formação de quadrilha também.

E longe de ser favorável à impunidade, durante o julgamento de crimes realizados nessas condições, nossa gloriosa Justiça deveria levar em consideração como sendo atenuantes, determinados elementos que contribuíram para que o crime fosse cometido. Porém muitas vezes atiçada pela imprensa ou promotores preocupados em repercutir na mídia, esses mesmos fatores atenuantes na realidade acabam agravando a pena de quem pecou.

De forma alguma os argumentos levantados por este autor servem para justificar a prática de um crime ou de um simples ato maldoso. Todo crime cometido deve ser devidamente penalizado com os rigores da lei. Entretanto a Justiça, que em nosso país tem como representação a figura do excelentíssimo todo poderoso juiz de direito, deveria observar estes aspectos psicanalíticos da participação em um grupo quando determinar a sentença dos culpados, individualizando a pena de cada membro. Na maioria dos casos, se não houvesse o grupo, muito provavelmente não haveria o crime nem criminosos e muito menos a vítima.

Agora peço licença para dar um passeio. Tomara que eu não cruze com um grupinho na rua. :)