terça-feira, 10 de maio de 2011

O filho na relação homo-afetiva



O mundo evolui, nossos conceitos evoluem com o mundo. Não podemos parar no tempo a fim de não corrermos o risco de sermos atropelados pela história. A última novidade que li foi o reconhecimento pelo STF da validade jurídica da relação entre parceiros do mesmo sexo. Uma situação nova que ainda deverá ser bastante apreciada pelo legislativo, haja vista uma série de novos contenciosos que irão surgir a partir desta união.

Se a igreja apostólica romana permitisse o casamento de sacerdotes, primeiro haveria a discussão sobre a conveniência deste casamento e depois de aceito, discutiríamos se o sacerdote poderia se divorciar, ou seja, os problemas aparecem de acordo com a evolução das relações. Neste caso da relação homo-afetiva isto não será diferente. Agora que foi reconhecido oficialmente, iremos nos deparar com a próxima questão: Poderia este tipo de casal adotar uma criança? Quais as implicações desta adoção?

Não poderia deixar de citar exemplos cinematográficos para ilustrar este tema. Dois deles me vieram a cabeça apesar de conhecer muitos outros casos. O primeiro é o filme australiano "Priscilla, a rainha do deserto". Com uma excelente trilha sonora este filme retrata o cotidiano de artistas drag queens que realizam uma excursão tipo "Bye bye Brazil", porém na terra dos cangurus, a Austrália. Entre os protagonistas, assumidamente gays, havia um que tivera um filho fruto de uma antiga relação normal.

No decorrer do filme ocorreu o encontro entre este pai e seu filho, que não o conhecia, tendo sido encarado com extrema naturalidade por parte do adolescente. Ao final,  o cão ladrou e a caravana partiu com um novo componente, o filho, cuja heterossexualidade aparentemente encontrava-se definida.

O outro exemplo assisti por um acaso hoje a tarde. Trata-se de um desenho adulto de nome original "Family Guy" com tradução por aqui para "Família da Pesada". Este desenho com temas bem adultos, frequentemente choca grande parte de seu público com piadas politicamente incorretas, zombando de negros, judeus, deficientes físicos e mesmo de diversos artistas.

No episódio que vi, o pai de um dos mais devassos personagens do desenho, resolve assumir e declarar-se definitivamente como sendo homossexual realizando uma cirurgia de mudança de sexo. O filho, sexista e mulherengo de hábitos sexuais extremamente bizarros, ficou bastante desapontado uma vez que achava que seu talento com as mulheres era fruto de herança genética. Apesar das dificuldades em aceitar àquela situação, reconheceu o direito a autonomia paterna e a vida continuou.

Os exemplos citados acima nada tem a ver com a adoção de crianças que começamos a discutir lá em cima, mas trata indiretamente deste assunto bastante delicado, pois abordou a visão e posição do filho perante o pai homossexual.

Qual então o ponto de vista psicanalítico sobre a adoção e quais consequências poderiam haver se o casal homo-afetivo adotasse uma criança?

Assim como os bebês de proveta, muito provavelmente os primeiros filhos adotados por casais homo-afetivos despertarão a atenção da imprensa sensacionalista ou de alguns líderes religiosos em busca de audiência e controvérsias, porém em pouco tempo perderão o interesse da população em geral, e consequentemente, sairão dos holofotes da mídia. 

Do ponto de vista psicanalítico, lembro-me ter falado num tópico anterior de que para Freud a sexualidade não se resumia aos genitais, ao sexo masculino ou feminino. Para ele haveria sim uma atividade ou passividade sexual. E como qualquer casal, um dos parceiros representaria a atividade sendo que o outro, a passividade. Comumente relacionamos a atividade ao homem e a passividade à mulher, exato o que a criança irá enxergar em seu cotidiano. Um parceiro representará simbolicamente a mãe enquanto o outro representará o pai.

Logo, o Complexo de Édipo, primordial para a definição da sexualidade da criança, ocorrerá da mesma forma que em qualquer outro lar. Se equivoca quem pensa que a criança cresceria com tendências homossexuais, pois concluir isso seria achar que filhos de pais heterossexuais seriam, necessariamente, heterossexuais ou mesmo que pais fumantes produziriam um filho fumante, algo que na prática já percebemos que não funciona.

No caso de separação contenciosa do casal homo-afetivo, caso haja disputa pela criança, o parceiro que assumiu o lado passivo da relação deveria ter a prevalência em ficar com ela, assim como nos casais heterossexuais, geralmente a mãe tem a preferência. Isto poderia ser detectado em rápida entrevista por psicólogos forenses que instruiriam o processo a fim de subsidiar a decisão judicial.

De qualquer modo, uma vez adotada, a criança provavelmente estará melhor assistida do que se fosse mantida numa instituição.