segunda-feira, 12 de dezembro de 2011

O dependente e a instituição


Os EUA possuem excelentes artistas e, principalmente, roteiristas. Lembro-me que quando criança na década de 70 assistia a algumas séries de televisão criadas nos anos 60 ou 50 sem me dar conta do processo de criação por detrás do programa. Pela tarde, ao voltar da escola, assistia a "Família Adams" e "Os Monstros". Sábado havia o "Banana Split" com seu gênio Shazan, Cavaleiros da Arábia e nos dias de semana, antes da escola, revezava entre "Perdidos no Espaço", "Terra de Gigantes" e finalmente o que mais gostava, "Túnel do Tempo".

Nesta última série, dois protagonistas eram tele-transportados aleatoriamente ora para o futuro, ora para o passado sem destino ou data certa. Só sabiam onde e quando se encontravam porque sempre chegavam pouco antes de algum acontecimento histórico, geralmente de consequências catastróficas. Mesmo assim era uma diversão.

Curiosamente nesta semana me senti fazendo parte desta série, pois vi que existe um projeto de lei que, em plena era do movimento anti-manicomial, prevê a internação compulsória do usuário de drogas para que este realize tratamento de cura para sua dependência. Fiquei bastante impressionado como alguém, em pleno século XXI, se propõe a apresentar algo desta natureza. De que forma se dará esta internação, onde ficará internado, quem vai tratá-lo e finalmente, quem vai decidir interná-lo não foi sequer comentado na notícia.

O retorno ao passado me veio à cabeça devido a lembrança da experiência de um famoso escritor brasileiro que também foi internado em instituição contra a sua vontade. Esse escritor é o Paulo Coelho. Faz algum tempo, vi uma reportagem na qual ele dizia que, quando jovem, seu rigoroso pai a fim de curá-lo do vício da drogas, internou-o em um manicômio. Atualmente sendo o escritor brasileiro mais famoso no exterior e um dos maiores vendedores de livros do mundo, pode-se dizer que, se não houve cura, ao menos esta experiência deve ter servido de inspiração para algumas de suas criações, que eu não saberia dizer quais, pois ainda não tive oportunidade de ler sua obra. Também me lembrei do premiado filme "Bicho de Sete Cabeças" com a excelente participação de Rodrigo Santoro narrando a história de um usuário de droga com a mesma experiência do Paulo Coelho, mas digamos, menos glamourosa.

Um dos maiores desafios no tratamento de qualquer dependência é a troca que se oferece ao dependente, ou seja, deseja-se eliminar um prazer que este possui, seja no uso da droga, da comida, do jogo, oferecendo-se nada em seu lugar. Convenhamos que não é muito convincente oferecer nada em troca de um imenso prazer. Ainda mais se levarmos em consideração esta troca sendo oferecida em local que, para quem visita é um sítio paradisíaco, mas para quem se interna é um circo dos horrores, o lugar comum das instituições de internação no Brasil.

Dependência em comida e em jogo apesar de serem altamente destrutivos ao próprio indivíduo, pelo fato de pouco influenciarem na sociedade ao redor além da própria família, não despertam o interesse de políticos. Caso viessem a apresentar qualquer projeto de lei limitando a obesidade ou valor de apostas, estariam violando a bela democracia invadindo a privacidade de algumas pessoas. Porém, em se tratando de drogas e narcóticos, este ponto de vista não se encontra enquadrado e, independente da privacidade ou vontade do drogado, querem impor-lhe tratamento.

Mesmo sem saber os reais motivos da apresentação deste projeto de lei, acredito que deve-se ao fato de que o uso de drogas, indiretamente contribui para o aumento da violência urbana, pois fortalece o tráfico e traficantes de drogas. O interessante que o mesmo esforço não é destinado a usuários dependentes de drogas lícitas, (benzodiazepinas - analgesicos, ansioliticos, tranquilizantes e álcool) encontrados regularmente nas farmácias ou botequins, cujo uso é patrocinado pela indústria farmacêutica ou de bebidas com ajuda do maravilhoso marketing. Ao menos estas indústrias pagam, e bem, os devidos tributos pela produção de suas drogas.

Freud, o pai da Psicanálise, era dependente de seus amados charutos e este seu vício no tabaco resultou num câncer na garganta que provocou-lhe dores horrendas. Ao longo de sua vida, antes mesmo do surgimento desta doença, foi por diversas vezes aconselhado a deixar o fumo, porém em todas as ocasiões encontrou justificativas para continuar seu uso. Coincidentemente ele acabou sua amizade com todos que lhe sugeriram abandonar seu vício. Ou seja, o nível de inteligência não diferencia os dependentes e a sugestão ao dependente por meio de palavras além de não muito eficaz pode significar o fim de longa amizade.

A droga ou qualquer outro vício, inclusive o vício de se fazer sexo com crianças, no caso do pedófilo, representa um prazer ao indivíduo. O tratamento, conforme dito anteriormente, sugere o fim deste prazer sem nenhuma outra vantagem, daí a enorme dificuldade de se alcançar um sucesso. Os motivos que levaram o indivíduo a tornar-se dependente, para a psicanálise, vem de tempos remotos, especificamente na fase oral do desenvolvimento psíquico ainda na primeira infância do sujeito. Indivíduos com fixação nesta fase oral tornam-se muito mais suscetíveis ao vício que os demais. Crianças que obtiveram imenso prazer durante sua amamentação, no futuro, em condições favoráveis, poderão retornar à mesma fase de dependência. É comum ao alcoólatra ser tratado como criança, dizermos que está mamado tal qual um bebê em vez de bebido.

Quanto ao tratamento desta dependência, ela até pode ser sugerida por uma autoridade, pelo pai, pela mãe ou amigos do dependente, mas é algo que "depende" exclusivamente da vontade daquele que irá se submeter ao tratamento. Se o próprio dependente não quiser se tratar voluntariamente, a melhor instituição não irá convencê-lo de abandonar seu vício, mas apenas o cerceará enquanto ele estiver em ambiente restrito e vigiado. Tão logo deixe o recinto, voltará ao objeto que tanto lhe proporcionou prazer.

Em relação à cura propriamente dita, há duas maneiras de fazê-la: uma delas seria através da sublimação, ou seja, direcionar a pulsão do indivíduo para um alvo não-sexual, incentivando-o a exercer atividades artísticas ou voltadas para a religião, para o esporte, para a participação ativa em grupos do tipo AA - Alcoólatras Anônimos ou NA - Narcóticos Anônimos. A outra maneira de se resolver, seria entrando no túnel do tempo daquela série que falei acima e orientar os pais do sujeito a tornarem-se mais presentes em seu crescimento além de os alertarem sobre os perigos do excesso de mimos na criança durante a fase oral. Podia-se ainda aproveitar a mesma viagem ao passado para eleger melhores políticos.

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