quarta-feira, 5 de novembro de 2008

O Autismo e a Formação do Sujeito



Mesmo sem pedir, a criança nasce. Se ela foi fruto de uma paixão, de um estupro ou mesmo de um anticoncepcional defeituoso é outro detalhe. Entretanto ao nascer, diferentemente de diversos outros animais que já saem andando ou nadando, ela necessita, mais que ninguém, de todos os cuidados do universo. Geralmente é bastante assediada por aqueles que a circundam, motivo o qual levou Freud a chamar de "Sua Majestade" o bebê recém chegado num lar. Entretanto, antes mesmo de sair da maternidade, já se tem início a formação psíquica deste pequeno ser.

Jesus, segundo os evangelistas, se utilizava de parábolas para pregar sua filosofia aos seguidores não muito cultos de sua época. Já um outro judeu, Freud, usou a mitologia grega para fazer analogias com o seu cotidiano e assim divulgar suas idéias. Para ilustrar o intenso amor e interesse em apenas si mesmo, no caso do recém nascido, Freud cita o mito de Narciso, sujeito que gostava tanto de si que apaixonou-se por seu reflexo visto num lago límpido. Acabou morrendo ao tentar alcançar a sua própria imagem.

Podemos dizer que o narcisismo é a principal característica da personalidade do bebê, ou seja, ele possui completa indiferença com os que se aproximam, só sabendo de sua própria existência. Porém tão logo esteja acomodado no ambiente, se integrará e aprenderá a se relacionar com o mundo. Sem ainda falar, comunica -se basicamente através do choro, principalmente quando possui fome ou um incômodo qualquer. Esta etapa de vida é um momento crucial para a formação da estruturação psíquica que se revelará no adulto.

Existem dezenas de teorias acerca do aparecimento do autismo. Muitas são completamente improváveis, mas quando ditas por estudiosos ou pseudo-cientistas tornam-se verdades insofismáveis. Algumas são teorias neurológicas e envolvem além do cérebro e sistema nervoso, as enzimas ou o DNA. Existem aquelas relacionadas à quelação, glúten e a processos orgânicos que jamais serão comprovadas. A própria Psicanálise, em suas vertentes, apresenta diferentes teorias sobre o aparecimento do autismo infantil. Convém salientar que nem todos os profissionais concordam com as teorias alheias, alguns abominam várias delas, mas teoria é teoria.

Podemos dizer que toda criança, até a mais normal do mundo, nasceu autista. Narcísica por nascimento, à medida que cresce começa a desconfiar da existência de um mundo exterior sentindo necessidade de interação com ele. Sua estruturação psíquica já está em formação nesta fase bastante primitiva.

Crianças de UTI ou crianças cuja amamentação se dá de forma artificial com o uso de mamadeiras, costumam ser saciadas antes de qualquer manifestação ou desejo, estando, como veremos, mais propensas a tornarem-se autistas. O adulto na ânsia de saciar a fome do bebê e satisfazê-lo plenamente, apesar da boa intenção, pode impedir sua manifestação e interação com o mundo ao redor, fragilizando seu ego em formação, pois ao não lutar pelo que deseja, torna-se um fraco além de desinteressar-se pela existência de quem o sacia e principalmente do outro, característica básica do autista. 

Este isolamento não ocorre com aqueles que costumam ser amamentados através do seio materno, pois desta forma a criança chora para chamar sua fatigada mãe percebendo não estar sozinho no mundo, sentindo que existe alguém ou alguma coisa que o alimenta e o satisfaz. Por isso o choro, apesar de ser bastante incômodo para alguns, pode ser também a certeza de um crescimento psíquico saudável, desde que seja devidamente monitorado. Para que a criança possua um "eu" forte, é necessário haver um "outro" forte. Sem o "outro" não há o "eu", seria tudo uma coisa só, não acontece a diferenciação.

Segundo Freud, toda criança possui um enorme "Id", um "Ego" frágil e nenhum "Superego". É muito comum após um trauma as pessoas regredirem para uma fase psíquica anterior a que se encontrava.  Antes mesmo da formação do superego e com um ego infantil bastante fragilizado, qualquer pequeno tropeço na vida da criança pode significar um trauma que o fará regredir à fase anterior do estágio psíquico em que se encontra, ou seja, poderá ocorrer um retorno à sua fase autística, pois não estaria muito longe dela. E uma vez estando aí, dificilmente sairá desta posição. Para explicar porque há os autistas verbais e os não verbais, podemos dizer que os autistas verbais sofreram este trauma psíquico após o aprendizado da fala, o que não ocorreu com os autistas não verbais.

Este choque ocorrido em tão remota era, antes mesmo da fase do Complexo de Édipo, justifica o fato do autista não possuir superego, ter um ego mínimo e um id enorme. Não há limites ou pudores para o autista, o princípio do prazer que rege sua vida supera longe o princípio da realidade, pois faz tudo sem preocupações futuras sendo extremamente imediatista. Logo, não há química ou remédios que o cure apesar de haver inúmeras pesquisas sobre esta patologia.

O quadro é não muito promissor para este mal, comum na atualidade, mas podemos ter a certeza que o autismo ao menos não representa problema algum para o autista.

domingo, 2 de novembro de 2008

A Psicanálise e a Neurociência



Durante uma viagem em julho de 2008, comprei uma revista que me chamou a atenção ao passar pela banca. Era a Superinteressante daquele mês e tinha na capa, além da imagem de Freud, uma pergunta em letras chamativas: Terapia funciona?

Deixei para ler a reportagem depois e finalmente ontem, mais de três meses da compra da revista, me lembrei de lê-la. Me ocupei durante a noite nesta leitura em ocasião que não me encontrava com muito sono e no texto publicado pude perceber algumas conclusões nada imparciais da reportagem sobretudo de alguns entrevistados. Em sua maioria os convidados pertenciam a abordagens diversas da Psicanálise, como cognitivo comportamental ou mesmo neurocientistas e filósofos.

Presumi que Freud apenas aparecia em destaque na capa porque ele continua sendo o principal expoente quando o assunto é Psicologia, independente da abordagem. Excetuando os profissionais atuantes nas respectivas áreas, ninguém conhece bem a aparência do Skinner, Pavlov ou mesmo do Jung ou Lacan. Eu mesmo antes de estudar Psicologia pensava ser o Jung algum sábio chinês, talvez até colega do Confúcio. Ainda bem que evoluí um pouquinho.

A reportagem continha frases como "teoria ultrapassada de Freud". Nela pude descobrir que pesquisadores da UNICAMP fizeram descobertas interessantes como "os sonhos têm mais a ver com memória do dia anterior do que com desejos reprimidos." Lá também li que "Freud exagerou as histórias de seus pacientes para comprovar suas teorias". Existem várias outras pérolas naquela reportagem mas que não convém repetí-las. Particularmente, uma vez tendo sido escolhido como Personalidade do Século XX pela revista Times, desafiar as teorias psicanalíticas de Freud além de ser bastante audacioso é correr risco de cair no ridículo.

Neste ponto me lembro que, quando mais jovem, assisti na TV um cientista brasileiro, César Lattes, questionando a teoria de Einstein em alguns pontos descobrindo depois estar equivocado. Bastou para que fosse impiedosamente criticado pela comunidade científica internacional sendo condenado ao ostracismo, apesar de ser considerado um dos maiores físicos brasileiros de todos os tempos. Toda audácia tem seu preço. Ora a fama e o reconhecimento, ora a frustração e o fracasso, como parece ser o caso em questão.

Não sei muito da Neurociência, porém, segundo a mesma reportagem, pude perceber que se trata de ciência experimental em fase embrionária quase que limitada aos laboratórios das universidades. Suas teorias baseiam-se em algo desconhecido para todos, que é o cérebro humano. Portanto a crença na Neurociência é pura questão de fé, primeiro assunto discutido neste blog. Não há como as pessoas andarem com um scanner na cabeça para saber onde ocorrem os sinapses num determinado momento de suas vidas, pois a cura dos problemas do indivíduo, o conhecimento de si próprio, segundo a Neurociência, depende do sujeito promover de alguma forma ainda desconhecida, novos arranjos de sinapses entre seus neurônios.

Quanto ao título chamativo, "Terapia funciona?", a reportagem dizia que sim, independente da abordagem do terapeuta incluídos aí até os filósofos. Menos mal esta afirmativa. Entretanto nunca é demais lembrar que a terapia psicanalítica se dá através da transferência. A relação paciente-terapeuta é fundamental para a promoção da melhora dos sintomas do sujeito que buscou ajuda. Nesta relação pode ocorrer a transferência até involuntariamente, independente da abordagem do profissional. O importante é conhecer como ela se dá e, principalmente, quando está em curso para fazer bom uso dela.

Depois da leitura, concluí que a Neurociência ainda se encontra muito distante de uma aplicação prática. Pode ser que num futuro próximo, com o desenvolvimento tecnológico, ela evolua a ponto de saber do que é composto o neurônio, como armazena informações, como morre ou mesmo, como fazer para multiplicá-lo. Talvez nesta hora, após atingirem este grau de conhecimento, é bem provável que estes cientistas caiam no mesmo dilema do cachorro que depois de muito latir alcançou o pneu do automóvel: "E agora? O que que eu faço com isso?"

A propósito: Superinteressante, nunca mais.