terça-feira, 1 de dezembro de 2009

Será o homem um sujeito pré-determinado?




A psicologia possui diversas abordagens. Podem ser chamadas de Humanista, Existencial-Fenomenológica, Gestalt, Behaviorista entre outras, e o interessante é que cada uma destas vertentes enxerga o ser humano de uma forma distinta. É claro que elas possuem também visões semelhantes em alguns momentos, porém as diferenças teóricas é que justificam as suas existências. Podemos dizer que em comum está a crítica que todas fazem à Psicanálise pelo fato desta ciência reconhecer o homem como sendo um ser pré-determinado.

Ao se definir o homem desta forma, como um ser pré-determinado, a Psicanálise coloca em risco a necessidade ou eficácia da própria terapia, pois se o indivíduo é fruto do que foi sua infância, se o seu destino já está escrito, como ele irá solucionar os problemas surgidos ao longo de sua vida e que até então, adulto, não conseguiu superá-los? Como mudará seu "jeito de ser" ou irá enfrentar de forma diferente situações que lhe incomodam ou pertubam? Será ele capaz de abandonar um vício, de vencer uma fobia? E se não mudará, para que então fazer terapia? 

É importante deixar claro que nenhuma das abordagens da Psicologia, até onde sei, apresenta uma proposta de reformar o ser humano que procura uma consulta. O profissional competente não ousaria prometer mudar o paciente, pois este não é o objetivo de uma terapia séria.

Não há o que se falar em doença psicológica e muito menos em cura, pois até hoje não foi estabelecido um padrão de normalidade de funcionamento para o ser humano assim como também não existe um comportamento ideal para vivenciarmos a cada situação específica. Como dito anteriormente, cada sujeito possui visão peculiar e experiência própria sobre o que lhe acontece. Neste ponto cabe lembrarmos uma frase de Caetano Veloso: "Olhando de perto, ninguém é normal." Portanto não há o que se falar em exemplos ou modelos a serem seguidos já que não há perfeição a ser alcançada.

Em se falando de sujeito pré-determinado, ao observarmos as crianças, muitas vezes sem perceber exercitamos nossa capacidade de advinhação e imaginamos seus futuros: - Esta será um grande líder. -Esta aqui vai ser professor ou cientista, pois desde pequena já sabe tudo. Conhecendo-a mais profundamente, pensamos que: - esta outra terá um futuro sombrio. Pode soar como algo macabro, mas à excessão do próprio filho, ninguém costuma acompanhar o crescimento destas crianças para certificar-se da promissora ou aterradora previsão. É claro que todos nós queremos o melhor para as quase inocentes criaturas, não tendo porque desejarmos o contrário.

É fato, porém, que esta previsão nada mais é que fruto de nossa intuição. Por experiência, verificamos que crianças tímidas tornam-se adultos acanhados enquanto que as extrovertidas tornam-se comunicativas ao crescerem. E apesar dos esforços conscientes para se promover a mudança, algumas características da personalidade parecem imutáveis aparentando serem mais fortes que a própria vontade do indivíduo. Podemos comprovar tal teoria ao constatarmos o esforço fenomenal, na maioria das vezes mal sucedido, do ex-alcólatra ou ex-drogado para não retornarem ao vício. Visualizamos, com freqüência, a tensão de qualquer portador de uma fobia ao deparar-se com o objeto de seu medo apesar de ter sido treinado para enfrentá-lo ou mesmo ignorá-lo depois de anos de terapia.

O certo é que o futuro do indivíduo depende de como ele vivenciou ou vivencia a fase do Complexo de Édipo, período inicial e marcante de sua vida. Além da definição de sua sexualidade, desta fase surgirão as fobias, as frustrações, as ansiedades que o acompanharão para o resto da vida. 

Para reduzir as mazelas causadas por um Complexo de Édipo mal elaborado, é proposta pela Psicanálise um procedimento terapêutico cujo elemento primordial é a transferência, fenômeno que ocorre quando o terapeuta passa a representar, para o analisando, uma das figuras parentais. Depois de estabelecido  durante a terapia, pode ocorrer de haver o abandono das sessões haja vista o ressurgimento de lembranças desagradáveis que encontravam-se recalcadas, momentos nada prazerosos para o paciente. Mesmo assim, apesar do risco, esta seria a hora propícia para se enxergar e entender as possíveis causas das neuroses estabelecidas na vida adulta e assim fazer com que o próprio paciente consiga, de alguma forma, aliviar os sintomas de seu mal estar ou problema e então passar a conviver com ele de uma forma mais tolerante e harmoniosa.

segunda-feira, 7 de setembro de 2009

A Pobreza, a Depressão e a Hiperatividade



Semana passada li uma notícia que me deixou bastante intrigado: de acordo com a OMS, Organização Mundial de Saúde, até o ano de 2030 a depressão será a doença mais comum do mundo, superando qualquer outro problema de saúde, incluindo câncer e doenças cardíacas. A depressão será também a doença que mais gerará custos econômicos e sociais para os governos, devido aos gastos com tratamento para a população e às perdas de produção. Ainda de acordo com aquele órgão, os países pobres são os que mais devem sofrer com o problema, já que são registrados mais casos de depressão nestes lugares do que em países desenvolvidos.

Sempre me espantei com estatísticas de doenças, pois elas geralmente envolvem números redondos e bastantes exagerados. No caso citado acima, o número mágico, de acordo com projeções, foi o ano de 2030. Talvez até lá a depressão venha a ser analisada com mais critério do que até hoje vem sendo pelas autoridades de saúde, pois esta costuma ser a doença mais incompreendida. Convém esclarecer que uma tristeza profunda motivada por causa conhecida não é o que costumeiramente chamamos de depressão.

Outra coisa a se considerar nesta notícia é que a OMS declarou ser a população pobre aquela mais afetada por este transtorno. Não houve maiores informações sobre causas, tratamentos ou curas. Melhor assim, pois ainda hoje não existe consenso sobre as verdadeiras causas desta doença. Para a ciência médica, a depressão consiste numa falta de determinadas substâncias químicas no organismo, ora a serotonina, ora o lítio. O fato é que remédios à base destes componentes são fundamentais para o sucesso dos tratamentos deste mal.

Existem diferentes definições para a depressão, também conhecido como transtorno bipolar de humor. Sabemos que indivíduos com isto podem vivenciar uma tristeza e apatia profundas sem nenhuma razão aparente, assim como apresentar variações bruscas de humor passando desta tristeza para a euforia em pouco tempo. Vários são os sintomas porém as causas continuam misteriosas. A explicação para o aparecimento desta doença do ponto de vista psicanalítico pode parecer um tanto polêmico: alguns acham, como é o meu caso, que o depressivo apenas realiza uma cobrança inconsciente da presença dos pais ocasionada por um profundo sentimento de abandono que experienciou em tenra infância. Este sentimento, provavelmente despercebido na ocasião, pode ter sido desencadeado por um fato bastante banal, como um simples atraso na busca da escola ou um simples desencontro num shopping center. São situações corriqueiras, mas que podem provocar um efeito devastador para a criança que refletirá em seu futuro.

A mensuração de um trauma de abandono vivenciado por outra pessoa sempre é complexa uma vez que depende da estruturação do aparelho psíquico de cada indivíduo. Este atraso na busca da escola, para uma criança pode representar uma tragédia enquanto que, para outra, pode significar uma oportunidade de novas descobertas ou diversão, como já dito anteriormente, depende da formação psíquica de cada um. Porém é importante salientar que toda criança ainda possui seu aparelho psíquico em formação, e portanto, quanto antes ocorrer o trauma, menos estruturado ele estará e piores poderão ser as suas conseqüências.

Hoje em dia é comum os pais tirarem férias dos filhos viajando e deixando-os ainda pequenos com avós, tios ou padrinhos, fato este que colabora substancialmente para o aparecimento deste transtorno, pois muitas vezes a criança encara isso como um verdadeiro abandono. Esses mesmos pais no futuro costumam ser penalizados, pois, praticamente, são os únicos seres a suportarem os indivíduos portadores de depressão. Ficam ao lado destes alimentando-os e tentando animá-los. Cuidam de seus filhos adultos como se estes fossem verdadeiras crianças.

Uma coisa interessante é que assim como os sujeitos depressivos, as crianças hiperativas, conhecidas como portadoras de TDAH, também demandam integral atenção por parte dos pais. Por analogia podemos crer que tal qual a depressão, trata-se de uma cobrança da presença dos pais que, por algum momento, ausentaram-se de suas breves vidas, cobrança quase que imediata. Talvez estas crianças em fase adulta sejam mais suscetíveis à depressão, entretanto até o momento não há nenhum estudo fazendo qualquer conexão sobre estes dois problemas. Não passa de especulação deste autor do blog.

E porquê os pobres serão os mais penalizados não é difícil de explicar. As mães de baixa renda necessitam retornar ao trabalho mais cedo após seus partos, "abandonando" seus filhos ainda muito pequenos em creches ou aos cuidados de outras pessoas da família. Seus filhos sentirão bem antes que outras crianças, a sua falta. Mães de outras classes sociais por vezes largam seus empregos para cuidarem de seus filhos, ou então passam maior tempo em licença antes de retornarem ao trabalho. Convém salientar que para a criança, a falta da mãe é fato muito mais grave que a falta do pai.

Há cura para a depressão? Seria demasiado otimista se dissesse que sim, assim como pessimista demais se dissesse que não, mas o tratamento psicanalítico é o mais indicado. É certo também que os remédios prescritos pelos psiquiatras ou neurologistas, de alguma forma, atuam beneficamente para o melhoramento dos sintomas do doente. Entretanto melhor que remediar é prevenir. Nenhum filho pediu para vir ao mundo, mas já que está por aqui nada melhor que os pais dispensarem a atenção adequada às suas necessidades, não?

domingo, 19 de julho de 2009

A Psicanálise está ultrapassada?



Ultimamente não tenho contemplado episódios interessantes que merecessem alguma menção ou mesmo um post específico aqui neste blog. Casos de corrupção na nossa política ou morte de celebridades é uma constante e não faltará oportunidades para tecermos considerações sobre este assunto. Convém lembrar que há pouco tempo morreu, de forma misteriosa, um grande artista da música pop mundial, Michael Jackson. Digo que sempre admirei seu talento desde o começo de sua carreira. Porém sua vida pessoal, assim como sua morte, foi cercada de mistérios, o que nos impede de fazer qualquer comentário sobre o ídolo.

Sem nada melhor para fazer, então iremos analisar se o questionamento que dá título a este texto está correto ou não. Estando todos nós em um mundo globalizado, informatizado, plugado e transformado em relação ao século XIX e meados do século XX, estaria a teoria psicanalítica desenvolvida por Freud obsoleta? Ela precisa evoluir?

Muitos detratores da Psicanálise costumam citar este título dizendo que o mundo mudou mas a Psicanálise continua a mesma. Apesar desta doutrina ter sido pouco aperfeiçoada por seguidores de Freud, podemos considerar que ela jamais sofreu influências da tecnologia, do progresso ou da cultura em quaisquer hipóteses teóricas formuladas. Em toda literatura psicanalítica que passou em minhas mãos, não consigo lembrar de ter lido algo sobre algum objeto criado pelo homem ou aparelho tecnológico. Lembro-me apenas da guerra, que de certa forma é um sub-produto da "evolução" humana, algo capaz de abalar o aparelho psíquico do ser já formado. Outros objetos manufaturados presentes na guerra, como avião, tanque ou metralhadora não foram sequer citados em algum escrito psicanalítico.

Daí concluímos que a Psicanálise é uma ciência absolutamente centrada no homem e não nas coisas que o circundam, ou seja, o ambiente, o progresso ou evolução tecnológica não exercem qualquer influência no crescimento do indivíduo. A guerra, no caso acima, só é mencionada nos livros para nos trazer exemplos de patologias existentes em indivíduos cujos aparelhos psíquicos se mostraram deficientes, regredindo em algum momento de suas vidas tendo ela como causa.

Porém o principal motivo pela qual a Psicanálise encontra-se mais atualizada que nunca é o fato dela tratar da formação do sujeito em seus primórdios, ou seja, trata de seu nascimento, narcisismo, da formação de seu ego, superego passando pelo Complexo de Édipo. Estes acontecimentos fundamentais na vida de qualquer um, praticamente ocorrem nos primeiros anos de vida quando ainda não possuímos noção da modernidade, da evolução da tecnologia ou dos objetos que nos cercam. Dessa forma, mesmo para os povos primitivos da Polinésia a formação do sujeito ocorre de forma semelhante à nossa, ou seja, dependem de uma mãe e de um pai ou alguém que o representa e não do mundo exterior. Daí a Psicanálise ser uma ciência universal aplicável a todos os indivíduos, independente de idioma, continente, ambiente ou nível de desenvolvimento do país.

Logicamente que após nosso crescimento e vencidas as diversas etapas psicanalíticas que promovem a formação de nosso aparelho psíquico, ficamos vulneráveis às influências externas e aos modernos equipamentos que tornam nosso dia a dia mais produtivo. Nossas relações pessoais, cultura, internet e os meios de comunicação certamente irão nos inundar com informações de toda sorte, algumas até questionando a validade ou obsolescência da teoria criada por Freud. Porém nossas conclusões ou decisões serão bastante influenciadas pelos primeiros anos de nossas vidas, mesmo para aqueles que não coadunam com os princípios da Psicanálise.

terça-feira, 23 de junho de 2009

A Psiquiatria e Psicanálise



Outro dia deparei-me com uma manchete em um jornal online que versava sobre o ciúmes, assunto já abordado neste blog. A chamada dizia que o ciúmes em excesso poderia ser caracterizado como uma doença. Interessou-me a reportagem e cliquei sobre o link para aprofundar-me no assunto, porém decepcionei-me com o que li: uma renomada psiquiatra dissertou sobre o ciúmes e nada falou sobre causas ou curas, disse apenas que seu excesso merece tratamento terapêutico. Também não disse que tratamento terapêutico era este, donde concluí, conforme Shakespeare, que não havia nada de novo no reino da Dinamarca.

Freud possivelmente seria um psiquiatra caso esta especialidade médica existisse em sua época, mas como não havia, especializou-se em Neurologia, um ramo da medicina que, de certa forma, "mexe" com o cérebro. E em seu começo de carreira, constante em sua bibliografia, experimentou uma gama de tratamentos a fim de verificar quais deles efetivamente apresentavam algum resultado que o satisfizesse. Dentre os tratamentos, chegou inclusive a aplicar choques elétricos em seus pacientes, algo que posteriormente reconheceu como pitoresco e inútil, mas necessário a sua sobrevivência., pois era remunerado por isso.

Freud logo descobriu que os remédios eram ineficazes contra os problemas psíquicos das mulheres histéricas de um manicômio austríaco e, a partir daí, desenvolveu sua teoria psicanalítica. Não temos notícias de novas prescrições administradas por ele desde então. Abandonou os anos de estudo da faculdade de medicina para tratar seus pacientes a partir da transferência, que nada mais é que trabalhar com escutas e palavras, sendo a primeira em número muito maior.

Todo psiquiatra tem uma formação médica, sendo seis longos anos de estudo e mais dois outros de residência. Neste tempo costuma realizar, paralelamente, diversos cursos especializantes sendo que a grande maioria é voltado para a área médica, aprendizado de anos a fio sobre as mais diversas doenças e, principalmente, sobre os mais diversos remédios. Não tenho conhecimento de que o médico em seu curso regular de graduação estude Filosofia ou Psicologia, mesmo como matéria opcional. Porém sei que antes mesmo de tornar-se doutor, além dos cursos, também participa de suntuosos congressos patrocinados pelos mais diversos laboratórios farmacêuticos, sendo cooptado, de forma sutil, por esta indústria desde o início de sua formação.

Depressão? Prozac ... Ansiedade? Lexotan... Hiperatividade? Ritalina... Insônia? Dormonid. E por aí vai. A solução médica aparece de forma mágica e rápida deixando o paciente satisfeito. As causas, em se resolvendo o problema, não interessam quais são, ou seja, os fins justificam os meios sacramentando cada vez mais o imediatismo hoje presente em nosso cotidiano. Para que resolver amanhã se podemos dar um jeito hoje? E nesta semana vi-me diante de um psiquiatra que também era psicanalista. Dizia fazer parte de uma sociedade psicanalítica no Rio de Janeiro e costumava participar de congressos nesta área, inclusive em outros países a convite. Durante nosso diálogo logo deixou transparecer que receitava a seus muitos pacientes alguns dos fármacos citados anteriormente.

Como vocês já devem ter percebido, diferentemente de Freud, tenho pouco conhecimento da mitologia grega, porém do Evangelho sei alguma coisa. E deste livro, lembro-me da história de um homem rico que perguntou ao Cristo se podia segui-lo em sua caminhada e pregação. Respondeu Jesus ao pretenso pupilo: - abandone todas as suas riquezas e siga-me. Dito isto, o futuro ex-seguidor desanimou-se e desistiu da empreitada, pois lhe era muito difícil abandonar tudo aquilo que conquistara com muito ardor. Esta história deu origem à celebre e discutível frase de que é mais fácil um camêlo passar pelo buraco da agulha do que um rico entrar no reino do céu.

E tal qual o rico da história anterior, caso o psiquiatra queira também ser chamado de psicanalista, deverá abandonar seus anos de estudo e conhecimentos adquiridos na medicina, esquecer os anti-depressivos e ansiolíticos para viver uma vida absolutamente casta em comparação com a glamourosa carreira médica que possivelmente teria. Deverá viver sem prescrever remédios, sem possuir diagnósticos na ponta da língua e muito menos soluções imediatas, pois a Psicanálise não tem regras definidas uma vez que cada ser humano é único, mesmo que suas neuroses ou psicoses sejam parecidas. 

Além disso o psicanalista também deve possuir humildade suficiente para reconhecer que pouco sabe daquele sujeito que lhe chega com algum problema em busca de ajuda uma vez que a ciência da Psicanálise, como bem sabemos, não é destinada a advinhões ou seres superiores. Para finalizar posso dizer que o Psicanalista de verdade em vez de química usa os ouvidos.

Sei não,... mas começo a achar que é mais fácil um rico entrar no reino dos céus do que um psiquiatra virar um psicanalista.

domingo, 3 de maio de 2009

Os Impolutos



O título desta postagem pode parecer uma provocação ou mesmo um palavrão, mas há tempos venho me perguntando quem são os personagens que comumente encontramos nos horários nobres desvendando os casos mais escabrosos de corrupção que graçam pelo país. Ora um delegado, ora um juíz, ora um procurador ou promotor, todos desfilando impávidos e destemidos pela TV respirando o ar do dever cumprido ao apresentarem sonegadores, contrabandistas e até assassinos devoradores de criancinhas.

Cada vez que assisto a cenas deste tipo fico impressionado não com os crimes cometidos pelos malandros de plantão, mas sim com a desenvoltura dos acusadores. Acima de qualquer suspeita, tecem tramas sobre como desvendaram supostos esquemas maquiavélicos envolvendo perigosos bandidos. Apresentam-se donos da verdade enquanto os acusados saem dos automóveis escondendo-se sob braços, camisas ou fichários, como se estes objetos camuflassem seus próprios erros ou identidades.

Desde a mais remota era encontramos narrativas de heróis e anti-heróis. A figura do mocinho e do bandido nos é ensinada quando bem pequenos, sendo que alguns de nós se identificam com a figura do mocinho e outros não. Por isso sempre existirá bandidos a serem combatidos e sempre haverá a figura do bem a combatê-los. Mas será este mocinho uma pessoa impoluta? O que passa na cabeça de alguém que combate o erro alheio mas é capaz de errar mesmo que simplesmente avançar o sinal de trânsito?

Conforme postagens anteriores, você já deve ter percebido que sou completamente avesso à religião, entretanto não deixo de conhecer suas origens ou aprender alguns de seus ensinamentos. Uma das maiores lições que tirei do Evangelho foi a história em que Jesus foi perguntado pela população em fúria contra uma adúltera, pronta para linchá-la, se deveriam ou não cumprir a sentença de apedrejá-la até a morte. Sem encará-los e enquanto rabiscava na areia, Jesus falou em voz baixa para todos: - Atire a pedra aquele que nunca pecou. Dito isto, imediatamente a turba enfurecida desistiu de executar a pena atribuída à pobre mulher e voltaram em silêncio para seus afazeres.

A partir daí passei a compreender melhor aqueles que erram. Portanto quando vejo um corregedor, delegado ou qualquer um daqueles personagens já citados anteriormente acusando entusiasticamente diante das câmeras qualquer pessoa, fico a imaginar o quão imaculado deve ser aquele sujeito para que, sem pestanejar, aponte os pecados alheios. 

Lembro-me de um caso recente em que um sujeito ficou preso indevidamente por dois anos acusado de matar a namorada juntamente com dois "comparsas". Descobriu-se agora que a mulher fora vítima de um serial killer paulista que confessou o crime. Ao ser questionado sobre como conseguiu condenar os três sujeitos, o promotor simplesmente falou que houve um equívoco esquecendo o quanto lutou bravamente para condenar os inocentes rapazes.

Mas qual a relação psicanalítica envolvendo estes fatos anteriores? Podemos falar sobre os mecanismos de defesa do Ego que se fazem presente nas pessoas acusadoras. A "projeção" é um destes mecanismos e se revela quando os crimes imputados ao réu são inexistentes ou maiores do que efetivamente o foram. Porém o evidenciado é a presença da "formação reativa". A honestidade ostensiva e a retidão absoluta desses senhores suplantam o desejo imenso de praticar atos maldosos ou danosos contra alguém. Ocupando tais cargos, este desejo maligno transforma-se em "benfeitoria" para a sociedade, podendo assim continuadamente fazer mal a muitos de forma justificada independente do culpabilidade do réu e o melhor de tudo, sendo bem remunerado por isso.

Essa turma de impolutos servidores se estivessem presentes na narrativa bíblica acima, além de executarem a pena de Maria Madalena, aproveitariam a ocasião para apedrejar Cristo acusando-o de cúmplice e incentivador da imoralidade.

quinta-feira, 12 de março de 2009

O Camarão e o Pequeno Hans



De tempos em tempos costumo ler em jornais alguma pesquisa sobre os sonhos, seu funcionamento e para que eles servem. Porém, para mim, desde que Freud escreveu "A Interpretação dos Sonhos", todas as publicações posteriores sobre o assunto perderam o sentido uma vez que aquela obra abordou ampla e profundamente este tema esgotando quaisquer outras especulações. Daquele livro lembro-me de vários fenômenos que ocorrem durante nosso sono, mas no momento falaremos especificamente de dois deles, resultantes do relaxamento de nosso superego: o deslocamento e a condensação.

Podemos citar o trocadilho como sendo um exemplo de condensação onde duas palavras unem-se, ou melhor, se "condensam" para formar uma outra. Este neologismo é uma manifestação legítima do inconsciente. Durante o sonho manifesta-se quando um personagem possui voz de uma pessoa, corpo de outra, representando às vezes uma terceira. Já o deslocamento é mais fácil de ser detectado e o constatamos ao dar importância exagerada a pessoas ou fatos que normalmente nos passam despercebidos.

Enquanto vivo, Freud nos apontou um caso clássico de deslocamento cujo protagonista ficou conhecido como Pequeno Hans. Este garoto, filho de um conhecido, repentinamente foi tomado de imensa fobia por cavalos. E como no início do século XX este animal puxava as carruagens pelas cidades, podemos bem imaginar o martírio que significava sair à rua para Hans e sua família.

A fobia do Pequeno Hans possibilitou a Freud desenvolver sua teoria do Complexo de Castração. Não era a causa mas sim efeito de um conflito visto como insuportável para o garoto, libido transformada em ansiedade e projetada para um objeto externo. Freud concluiu que Hans deslocava para os cavalos a sua destrutividade e temores sentidos em relação a seu pai. No seu mundo interno e inconsciente, os cavalos seriam o substituto simbólico de seu pai que Hans um dia desejou ver cair e quebrar as pernas, quando o via subir as escadas para ficar com "sua mamãe". É muito mais fácil para qualquer um possuir fobia a cavalos que ao próprio pai.

No mundo moderno observamos uma doença incoerente, aparentemente sem causa específica que pode surgir de uma hora para outra. Esta doença chama-se Alergia. De repente o indivíduo se vê impedido de desfrutar ou absorver determinadas substâncias pelo fato de que o contato ou consumo do mesmo podem dar início a uma reação corporal de graves conseqüências. Essa aversão a determinados produtos pode ser comparado à aversão do Pequeno Hans aos cavalos.

A descoberta da substância prejudicial é difícil e incerta mas o certo é que ao consumir o "produto proibido" inadivertidamente, caso o indivíduo continue sem a ciência deste consumo, muitas vezes ele não costuma apresentar quaisquer efeitos colaterais por isso, acontecendo o contrário tão logo perceba ou mesmo desconfie de sua presença. E devido à dificuldade na detecção dessas possíveis causas da alergia, as pessoas fazem um retrospecto do comportamento e, principalmente, de seus hábitos alimentares a fim de confeccionar uma listas de itens "suspeitos", sem se dar em conta que tal como acontecia ao Pequeno Hans, a verdadeira razão desta manifestação alérgica dificilmente será descoberta em um consultório médico.

O camarão, popularmente, é considerado como o principal causador de quase metade dos casos de alergia. Diferentemente dos cavalos de Hans, este pequeno e inocente crustáceo está convenientemente sempre longe da gente, quase não se encontra nas refeições e muito menos costumamos cruzar com ele no nosso dia a dia. Apesar de às vezes andar por aí disfarçado de bobó, empadinha, risólis ou risoto, ainda sim é capaz de causar verdadeiros estragos aos alérgicos de plantão. O jeito é partir para as massas.

segunda-feira, 16 de fevereiro de 2009

A Advogada e a Psicossomática



Mais um incidente recente, inflamado pela mídia e oportunismo político, tomou de assalto os lares brasileiros despertando na população uma variação de sentimentos positivos ou negativos. Estou falando do caso de uma advogada brasileira pernambucana que alega ter sido vítima de agressão realizada por um grupo neo-nazista na Suíça que além de deixar cicratizes pelo corpo, provocou um aborto de gêmeos que carregava em seu ventre.

O desenrolar da história foi surpreendente. A polícia daquele pequeno e rico país disse que a vítima não se encontrava grávida no momento da agressão, não podendo ter acontecido aborto algum por este motivo. O grupo neo-nazista também rechaçou a acusação de agressão fazendo restar um país pasmo, haja vista que a imensa maioria da população havia formado juízo de tal fato, motivando revolta contra as autoridades daquele pequeno país cantonês que foi acusado de xenófobo e racista. Ficou patente o perigo de se escutar apenas uma das partes para a tomada de decisões. No episódio também ficou claro que julgamentos precipitados baseados na paixão ou emoção podem provocar erros irreparáveis.

O pai da vítima, ainda sem saber dos detalhes do incidente, ao chegar na Suíça comunicou a todos da gravidez de alto risco da filha pelo fato dela ser possuidora de uma doença chamada Lúpus. A partir de então, vislumbrei algo diretamente ligado à Psicossomática, ou seja, parece-me evidente que fatos inconscientes podem provocar doenças cujas causas são aparentemente desconhecidas.

O Lúpus é uma doença crônica, auto-imune, que causa inflamações em várias partes do corpo. Normalmente nosso sistema imunológico produz anticorpos cuja função é proteger o organismo das eventuais agressões, sejam dos vírus, bactérias, células cancerígenas ou quaisquer outros corpos estranhos. Porém devido a uma desordem imunológica, o sistema defensivo perde sua habilidade de diferenciar os corpos estranhos e suas próprias células passando a direcionar anticorpos contra o próprio organismo. Fazendo um breve resumo podemos dizer que o corpo se defende de sua própria defesa, algo grave e interminável.

Essa disfunção nada mais é que uma auto-flagelação. O corpo sofre ataque de si próprio e não existe uma explicação lógica para tal. Podemos supor que processos inconscientes da pessoa podem deflagrar tal doença. E coincidentemente no grave fato ocorrido na Suíça, pelo menos até o momento que escrevo este blog, os médicos e polícia insinuam que tais marcações no corpo da advogada foram feitas pela própria. É um caso raro em que o sujeito se auto-flagela de forma consciente através das mutilações e cortes e se auto-flagela de forma inconsciente através de uma doença auto-imune que é o Lúpus.

A auto-flagelação pode ocorrer devido a castigo por desejos ou pensamentos pecaminosos do ponto de vista do sujeito. Algo que vai de encontro ao superego, aos conceitos aprendidos e internalizados durante seu crescimento e formação psíquica, sobretudo ocorrido durante o Complexo de Édipo.

Cada Cristo com sua cruz, cada sujeito com sua própria doença. A característica da personalidade é sempre compatível com o mal adquirido. A Psicossomática quando observada e levada a sério é capaz de explicar a origem das doenças de cada um e apontar um tratamento psicológico adequado. A ciência médica não ataca as causas mas sim os sintomas. E conforme dito em postagem anterior, o Inconsciente não é percebido por exames de raio X ou ressonância magnética. Logo, para os médicos, muitas doenças continuarão inexplicáveis.

quinta-feira, 22 de janeiro de 2009

Um Curioso Caso de Rejuvenescimento

O velho e o moço


Entra ano, sai ano e nada muda. Fogos em Copacabana, corrida de São Silvestre, filmes de Papai Noel e para variar um pouco, indicações para a premiação do Oscar. Exatamente sobre isto falaremos, pois este ano um interessante e aparentemente bom filme foi selecionado para concorrer ao título de melhor filme, estando entre os favoritos: O Curioso Caso de Benjamim Button. Resumindo bastante, podemos dizer que conta a história de alguém que nasce velho e vai remoçando a medida que o tempo passa, ou seja, vive o oposto de todos nós.

Será isso bom ou ruim? Sinceramente não saberia dizer, mas tentando fazendo uma análise psicanalítica desta sinopse podemos supor que não há nada de inédito nesta história, pois isto já ocorre na vida de milhões de pessoas no mundo todo. A diferença entre Benjamin e estes milhões é que enquanto Benjamin rejuvesnece fisicamente, este outro tanto de pessoas retorna à infância apenas psiquicamente. O caso mais patente de todos se configura naqueles que, ao envelhecerem sofrem do Mal de Alzeheimer ou qualquer outra demência. É claro que não há vantagem nenhuma neste retorno psíquico, e diferentemente de Benjamin não há data para se chegar ao final da história, ou seja, este recuo psíquico pode levar anos e com o tempo o seu final vai se tornando mais infeliz.

Nunca vislumbramos a velhice sobre este ângulo, até porque se assim o fizermos ficaremos mais desmotivados à medida que envelhecemos. Nem todos nós, necessariamente, seremos acometidos das mazelas citadas acima, mas caso ocorra um envelhecimento natural, boa parte de nós precisará "naturalmente" de um acompanhante para ajudar-nos nas nossas tarefas mais rotineiras, como banho e limpeza, curativos e arrumação tal qual necessitávamos quando éramos pequenos e frágeis.

Pensar neste assunto enquanto desfrutamos de plena saúde não é muito reconfortante, até porque o homem (a mulher também) é otimista por natureza. Costumamos planejar viagem com bastante antecedência, comprar apartamentos financiados por até vinte anos e contratar uma previdência privada para aposentadoria futura distante, mas somos incapazes de pensar no envelhecimento e na morte. Estes são dois assuntos tabús que não trazem nenhuma satisfação. - Até eu morrer já inventaram um remédio para o meu mal, - pensamos.

Hollywood é pródiga em nos oferecer pérolas cinematográficas. Me lembro também de já ter visto um filme de alguém que não tinha estes problemas de pensar na velhice. O nome era "O Retrato de Dorian Gray" de Oscar Wilde. Filme dirigido por Orson Wells contava a história de um sujeito que contemplava seu retrato envelhecer enquanto mantinha intacta sua juventude e beleza com o passar do tempo. 

A sétima arte realmente é fértil em imaginação, não? E eu aqui, enquanto não descubro o segrêdo de Dorian, não deixo de fazer minha ginástica para manter minha juventude aguardando esperançosamente o tal remédio ser inventado.

terça-feira, 20 de janeiro de 2009

Obama, Bíblia, Religião, Psicanálise



Existem coisas que suscitam divergências no mundo todo, coisas capazes de provocar guerras, separações e que muitas vezes vai de encontro aos seus fundamentos. Podemos dizer que a religião, ou melhor, a diferença delas é algo que provoca acirradas controvérsias nos mais longínquos cantões da Terra. Ainda hoje enquanto Obama toma posse da presidência dos EUA fazendo um juramento solene sobre a bíblia, judeus e muçulmanos se atracam ferozmente na chamada Faixa de Gaza no Oriente Médio.

Freud era judeu e graças a isto quase padeceu durante a segunda grande guerra perseguido pelos arianos alemães que eram cristãos. Sua família, infelizmente, não teve a mesma sorte. Mesmo assim, Freud jamais defendeu a sua ou qualquer outra religião durante em vida, pelo contrário, deixou claras críticas à todas elas.

Nos dias de hoje, notamos que quanto mais civilizado é o país, menos a população se prende a dogmas ou doutrinas religiosas. Por isto é de se crer que, apesar do juramento, Obama não acredita tão profundamente em boa parte do livro sobre o qual pousou sua mão neste dia de sua posse. Mas este gesto é apenas simbólico num mundo em que as religiões vem cada vez mais superando as doutrinas e exércitos, definindo lideranças políticas e conquistas territoriais.

A Psicanálise voltada para as religiões é a mesma relacionada à formação de grupos. Ao fazer parte de um grupo ou religião, o sujeito se abstrai de seu superego, seus limites e princípios para incorporar um conceito ou superego comum. Isto é bom para aquela pessoa cujo aparelho psíquico é menos estruturado, pois ao fazer parte de algo que acredita ser superior a si próprio como um grupo, religião ou seita, ela se sente fortificada para enfrentar as adversidades que por ventura lhe apareçam e com maior coragem.

Atualmente nos grandes centros urbanos, além da religião, podemos citar como exemplos de grupos o Rotary e Lions Club. Há também os clubes secretos como a maçonaria e outros até exclusivos como as sociedades psicanalíticas. Há dezenas de outros grupos menores e podemos dizer que comum a todos é a participação voluntária. Portanto, se o indivíduo quiser fazer parte de qualquer deles, primeiro ele deve concordar com as regras impostas e depois se abster de seus princípios para adquirir um princípio comum, ou seja, espontaneamente joga seu superego para escanteio para depois incorporar o superego do grupo o qual deseja fazer parte, não necessariamente nesta ordem.

Deve ser muito bom isso, pois os grupos cada vez mais se multiplicam e não restam dúvidas que faz bem ao cidadão que se revigora e fortalece ao acreditar estar fazendo parte de algo que acredita ser bom. Entretanto do ponto de vista psicanalítico isto representa um retrocesso psíquico equiparando este sujeito aos povos primitivos que, desprovidos de conhecimentos científicos, se reuniam para enfrentar os perigos misteriosos.